Muitas das profissões mais comuns no mercado de trabalho se sobrepõem ou tratam de temas similares, mas sob perspectivas particulares a cada uma. Pode haver confusão, por exemplo, quando o assunto é engenharia civil, arquitetura e design.
A engenharia civil e o design são mais distintos entre si, mas a arquitetura muitas vezes abraça funções que dialogam com ambos os universos. No mais, é importante saber quais são os limites de cada um, garantindo que o trabalho será feito conforme a lei e não ponha o morador em risco.
Tudo começa na Academia, onde são formados os profissionais. Patrícia Dalsoglio Garcia, uma das coordenadoras de graduação de Engenharia Civil na UNICAMP, explica que os cursos de engenharia e arquitetura são, hoje, muito diferentes do que eram há 40 anos.
“Antigamente, o arquiteto era quem projetava e definia os espaços em função da estética e do conforto, por exemplo, enquanto o engenheiro civil era o responsável pela elaboração do projeto estrutural, dimensionamento das instalações elétricas, hidráulicas, acompanhamento de obra e gestão de projetos”, diz.
Com o avanço dos softwares e da inteligência artificial, porém, os engenheiros passaram a trabalhar cada vez mais com projetos de infraestrutura e estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental de grandes empreendimentos, que hoje são as maiores demandas do mercado.
A grande distinção entre as formações, portanto, está na grade curricular. Na Faculdade de Arquitetura da USP (FAUUSP), por exemplo, há uma carga muito maior de projetos do que na Escola Politécnica (Poli), onde se concentram os cursos de engenharia.
“Isso significa contato com divisão de espaços e distribuição, interpretação de programas de necessidades, implantação, etc. Na engenharia civil, o foco tem sido muito mais na capacitação do aluno para se responsabilizar por algumas tarefas de projetos e execução, mas sem uma abordagem muito ampla em relação a projetos”, explica Sérgio Leal Ferreira, coordenador do curso de Engenharia de Construção Civil da Poli-USP.
Por outro lado, engenheiros prospectos lidam com uma carga de matemática e física fundamentalmente maior, além das disciplinas voltadas ao cálculo de estruturas e execução de obras.
“Os estudantes da FAU também veem cálculo, mas são mais primários. Até onde eu sei, eles até podem construir e se responsabilizar por pequenas construções, mas o engenheiro civil está teoricamente preparado para enfrentar qualquer edificação – pontes, viadutos, aeroportos, hospitais, estádios de futebol e obras de grande porte”, diz o coordenador.
Na Poli, o futuro engenheiro se forma também com a capacidade de se responsabilizar pela execução e gerência da obra, além de especificar e conferir a resistência e a qualidade dos materiais, qualidades materiais.
“Outro item que tem sido distintivo aqui é o trabalho no mercado imobiliário, pois o aluno sai preparado para atuar com avaliações de empreendimentos. Antes mesmo de começar a construção, é necessário um trabalho de prospecção e cálculo de viabilidade”, comenta Sérgio.
De forma resumida, o arquiteto é aquele que desenha a planta, distribui os espaços internos da construção, o entorno e a fachada, além de, em alguns casos, projetar o paisagismo e propor a decoração dos ambientes internos. Ou seja, se atém mais ao nível de distribuição espacial e funcionalidade. Outra via é atuar com cidades, legislações urbanas e habitações sociais.
Já o engenheiro civil cuida dos cálculos para distribuição de cargas, cuida das vigas e colunas e projeta as instalações hidráulicas. Ele também pode trabalhar na vertente de cidades, com transportes, infraestruturas de água e esgoto.
Como dito, porém, as áreas dialogam, inclusive na universidade. Na UNICAMP, os dois cursos dividem o mesmo prédio e unidade administrativa, absorvendo a arquitetura como parte das Ciências Exatas, Tecnologias e da Terra – ao contrário de outras instituições, que a classificam como carreira de Humanas.
“Isso traz para o curso de arquitetura um caráter mais tecnológico e, para o de engenharia, uma natureza mais social, ampliando os campos de atuação de ambas profissões”, diz Patricia.
Os alunos da UNICAMP, bem como os da USP e de outras instituições, também podem optar por uma formação ampliada ou dupla formação. Ou seja, o estudante de engenharia pode estudar certas disciplinas que lhe agradam, fora do núcleo básico, na faculdade de arquitetura e vice-versa.
“O aluno acaba fazendo um curso maior, mas ganha um certificado de que passou por aquele período, e o mercado valoriza porque é uma formação um pouco mais completa”, explica Sérgio.
Isso não significa que o engenheiro poderá trabalhar como arquiteto, ou que o arquiteto poderá trabalhar como engenheiro. Afinal, o exercício de cada uma dessas profissões é fiscalizado por um conselho, nomeadamente CREA e CAU, com competências atribuídas ao curso realizado.
“Do ponto de vista da universidade, essa dupla formação não confere a licença, mas, sim, a capacidade. Assim, se um dia existir alguma prova de capacidade no conselho, os estudantes estarão aptos para isso”, explica Sérgio.
Em relação ao design, a arquitetura também é distinta já na formação. Por exemplo, na FAUUSP, a grade curricular combina os três departamentos da faculdade: tecnologia, projeto e história. Já o foco do design é ser uma formação generalista, abordando aspectos do design visual, de produtos e de serviços no currículo.
Aqui também se aplicam as regras do CAU – para desenvolver projetos urbanos e de edifícios, é preciso estar credenciado no conselho, portanto, ser formado na área. Já no mercado de design, não há essa obrigatoriedade.
“O designer tem uma certa limitação para atuar na área de arquitetura, porque ele não pode assinar projetos. Mas pode atuar em outras interfaces muito importantes, como o design de sinalização, wayfinding, superfícies, mobiliário, etc.”, afirma Leandro Velloso, coordenador da comissão de coordenação do curso de Design da USP.
Esse tipo de atuação, segundo ele, é muito colada na arquitetura e comum aos designers, então, estamos falando de duas carreiras que são, de fato, bastante próximas.
Além disso, o profissional formado em design pode trabalhar no mercado editorial, com livros; ou no digital, em projetos de aplicativos e sites. Há também demanda por design estratégico e de serviços.
Leandro conta que na FAU há uma cultura de projeto muito importante, e todo aluno aprende a projetar – a diferença estará na ênfase de cada curso. “A diferença dos cursos é algo que veio depois por uma demanda do mercado, que, há 20 anos, começou a requisitar designers formados. A própria USP sentiu a necessidade de um curso de design, e a FAU assumiu isso”, diz.
Ele explica, ainda, que o curso de design também é interdepartamental. Ou seja, o aluno de design tem disciplinas da Escola de Comunicações e Artes, Poli e até da Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade. O resultado é um profissional generalista que pode escolher a área com a qual ele mais se identifica.