A arquitetura vernacular tem ganhado cada vez mais espaço na teoria e na prática projetual com suas características sendo estudadas e revisadas. Um impulso relacionado a diferentes fatores, mas principalmente, ao contexto de mudanças climáticas o qual estamos vivendo que pede por soluções construtivas mais sustentáveis e conectadas ao contexto.
Nesse âmbito, muito se fala sobre as diferentes técnicas vernaculares empregadas na arquitetura, seja a produção dos tijolos em adobe, os telhados de palha, as paredes trançadas de bambu, entre muitas outras. No entanto, enquanto a técnica vernacular concentra-se em ações ou habilidades específicas, seu significado difere das tecnologias vernaculares.
Segundo o dicionário, a definição da palavra “técnica” diz respeito à uma “habilidade especial para executar algo”. Por exemplo, na culinária, um chef de cozinha pode ter uma técnica especial para cortar legumes rapidamente e sem se machucar. A técnica é tão antiga quanto a civilização humana, ela aparece desde a fabricação de instrumentos de caça, ou até mesmo antes disso, sendo um “saber fazer” que caracteriza a presença de uma cultura humana.
Já a tecnologia é o estudo e conhecimento dos processos e métodos técnicos, industriais e científicos. Ela se refere ao uso de ferramentas, máquinas e processos para resolver problemas ou atender a necessidades humanas. Usando o exemplo do chef de cozinha, a tecnologia seria a faca afiada ou o processador de alimentos que ele usa para cortar os legumes. A técnica, portanto, seria o “como fazer” e a tecnologia o “o que usar”, ou a aplicação de conhecimentos científicos para invenção e aprimoramento das ferramentas e técnicas.
Dentro da arquitetura, enquanto a técnica vernacular corresponde a métodos de construção, limitada a ações específicas, a tecnologia vernacular refere-se a um sistema construtivo mais amplo, trata-se de processos em constante evolução, visando o uso mais eficiente e eficaz dos recursos. Em comparação com a tecnologia construtiva geral, a tecnologia vernácula envolve essencialmente materiais locais, por isso mesmo não precisa ser apoiada por intrincados sistemas de transporte, além disso, preza pela manutenção dos materiais de maneira mais natural possível, preservando suas cores e texturas.
No aprimoramento dos processos vernaculares ao longo do tempo, o “o que usar” contemporâneo tem sido associado a sistemas de fabricação digital e robótica. Parece contraditório em um primeiro momento, mas alguns exemplos mostram como pode ser produtiva essa conexão. Em Assunção, no Paraguai, foi criado o dispositivo Parabrick, construído pelo laboratório universitário FabLab CID. O tijolo é uma das matérias primas mais utilizadas na arquitetura paraguaia pela facilidade de acesso quando se trata da autoconstrução. Com isso em conta, o laboratório criou um dispositivo que fornece suporte para linhas-guias que orientam diferentes composições geométricas de alvenaria. Feito digitalmente com peças de madeira encaixadas, ele pode ser montado no canteiro de obra para facilitar o trabalho manual. Um processo similar ao CeramicINformation Pavilion exposto em 2018 na Bienal de Arquitetura e Urbanismo de Shenzhen, China. Em Mendoza, na Argentina, o laboratório de pesquisas em fabricação digital Nodo 39 FabLab criou uma estrutura-bastidor de tecido feita em madeira cortada digitalmente com telas e pontos para facilitar o processo de tecelagem e composição iconográfica dos indígenas da região central do país.
Além desses exemplos, vale citar o fato de que, dentro da prática arquitetônica, percebe-se com cada vez mais frequência a mescla de técnicas vernaculares e sistemas tecnológicos contemporâneos em um mesmo projeto. Um gesto interessante que também abre caminho para explorações inovadoras das técnicas ancestrais. No premiado projeto da Moradia Estudantil de Canuanã, no Brasil, as peças de madeira pré-fabricadas se aliaram aos tijolos de terra feitos no próprio canteiro de obra por artesãos selecionados. A variação natural do tom da terra, juntamente com as marcas de sua fabricação manual criam uma atmosfera aconchegante, além da técnica garantir temperaturas amenas nos espaços internos, eliminando a necessidade de dispositivos de refrigeração.
No entanto, independente da forma como as técnicas são aplicadas, Henry Glassie, um dos grandes estudiosos da arquitetura vernacular, afirma que a chave para a tecnologia vernacular, acima de tudo, é o envolvimento humano na manipulação dos materiais e na participação ativa no processo de projeto, construção e uso (mesmo entendendo que a criação arquitetônica inclui níveis altos de especialização). À medida que as tecnologias evoluem para o uso de técnicas indiretas da manipulação de materiais, para o isolamento de segmentos do processo criativo, a maior perda é a experiência que o engajamento produz e a consciência da conectividade entre as pessoas.
Dessa forma, entende-se que os conhecimentos vernaculares abrangem diferentes instâncias, englobando não apenas a sustentabilidade material e funcional, mas também a sustentabilidade social. Nessa intricada trama de vantagens, compreender o papel das técnicas e tecnologias vernaculares na arquitetura contemporânea como elementos integrados, mas que operam em diferentes níveis de complexidade e abrangência, é fundamental para gerar projetos sustentáveis e de relevância cultural.